ADPF 403 no STF: Bloqueios do WhatsApp são constitucionais?
Por Paula Pécora de Barros
No país, já foram expedidas quatro ordens de suspensão temporária do WhatsApp. Dessas quatro, três foram aplicadas efetivamente, gerando bastante polêmica. Após essas decisões, foram propostas duas Ações no Supremo Tribunal Federal tratando do tema: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527 (veja análise aqui) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403. A ADI foi proposta pelo Partido da República (PR), pedindo diretamente a declaração de inconstitucionalidade dos incisos III e IV do art. 12 do Marco Civil, que tratam de suspensões e bloqueios. Por sua vez, a ADPF 403, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), se volta contra decisões de bloqueio em si. A seguir analisamos os principais pontos discutidos na ação.
POR QUE ELA FOI PROPOSTA?
PEDIDOS DA ADPF
A ADPF 403 foi proposta logo após o segundo bloqueio do WhatsApp no Brasil, pedindo a suspensão dos efeitos da decisão ordenada pelo juiz Marcel Maia Montalvão, da Vara Criminal de Lagarto, que penalizou a empresa Facebook Brasil por não atender a ordens de interceptação (veja análise do caso aqui).
O principal argumento do PPS é o de que a decisão de bloqueio viola o preceito fundamental da liberdade de comunicação (art. 5º, IX da Constituição Federal) e da proporcionalidade, pois uma enorme quantidade de brasileiros utilizam e dependem do aplicativo, e sofreram impacto com o bloqueio. Ainda, o PPS considerou a argumentação da decisão como controversa pelo fato das decisões anteriores que também suspenderam o aplicativo terem sido em seguida cassadas pelos respectivos Tribunais de Justiça. Com base nesses argumentos, entrou com a ADPF no STF pedindo a suspensão do bloqueio e o impedimento a futuros bloqueios por decisão judicial.
MAIS UMA DECISÃO DE BLOQUEIO
Depois do PPS ter proposto a ADPF, mais uma decisão judicial determinou o bloqueio do aplicativo. Dessa vez, a ordem teve origem na 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, e foi também como forma de punição pelo não cumprimento da Facebook Brasil de outra decisão judicial de interceptação (veja análise do caso aqui).
Diante dela, o PPS pediu, no âmbito da ADPF já proposta, a suspensão do novo bloqueio. A demanda foi analisada liminarmente, ou seja em cognição sumária, pelo ministro Ricardo Lewandowski, o qual concluiu que o bloqueio do aplicativo nesse caso parece mesmo violar a garantia de liberdade de expressão e a legislação sobre o tema, sendo também uma medida desproporcional. A questão, entretanto, está ainda longe de estar resolvida.
ÓRGÃOS INGRESSADOS NA AÇÃO COMO AMICI CURIAE
A questão sobre a constitucionalidade dos bloqueios do WhatsApp é bastante acirrada. Não está claro se os bloqueios do WhatsApp encontram respaldo, em abstrato e nos casos concretos, no ordenamento jurídico brasileiro. Tanto é que diversos entes estatais e civis têm se envolvido na ADPF e nos processos judiciais que levaram ao bloqueio para expor suas interpretações acerca desta questão.
Cinco instituições propuseram pedidos de ingresso na ADPF como amici curiae. Todas concordam com o argumento da petição inicial de que há violação à liberdade de comunicação(inc. IX, art. 5º da CF) quando há bloqueios do WhatsApp e pedem a procedência do pedido da ADPF de suspensão do bloqueio. No entanto, existem diferenças quanto à fundamentação e à extensão de seus pedidos.
A Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (ASSESPRO) caracterizou o ato judicial de bloqueio como inconstitucional também por impedimento ao livre acesso de todos à informação (inc. XIV do art. 5º) e proibição à continuidade do próprio objeto social da WhatsApp (art. 170 da CF, parágrafo único, inc. IV.), argumentando de maneira ainda mais ampla do que o feito pelo PPS. Na mesma linha, a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE) pede o impedimento a qualquer outra decisão judicial que venha causar lesão aos preceitos fundamentais violados de liberdade de expressão, de comunicação e de intimidade e comunicação privada.
O Instituto Beta para Democracia e Internet (IBIDEM) e o Laboratório de Pesquisa Direito Privado e Internet da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (LAPIN) olharam para os argumentos das decisões de bloqueio do WhatsApp. Segundo eles, o principal fundamento utilizado para justificar bloqueios teria sido o art. 461, §1.º, do CPC/73; somente no terceiro, de Lagarto, a decisão expressamente utilizou o art. 12, inciso III do Marco Civil. Trazendo elementos da ADI 5527 (veja análise aqui), que discute a constitucionalidade deste dispositivo, os grupos concluem como desnecessária e ímproba a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos do Marco Civil, por não impedir que outras decisões judiciais se baseiem em outros preceitos normativos para o bloqueio ou suspensão de aplicativos ou sites.
A Frente Parlamentar pela Internet Livre e Sem Limite vai além da questão dos bloqueios e pede a declaração de interpretação conforme a Constituição ao art. 10 do MCI caput e parágrafo 2º, para que seja inconstitucional a interpretação de que haveria um dever irrestrito de guarda de registros de acesso, de conexão e de conteúdos de comunicações. Defendem que um tal dever importaria em violação aos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, ao sigilo das comunicações, e ao princípio da proporcionalidade. A seguir, o grupo volta para a discussão central da ADPF: caso seja entendida como necessária a guarda contínua e irrestrita dos dados e conteúdo das comunicações privadas, pediu que se interprete conforme a Constituição o art. 12, incisos III e IV, do Marco Civil, e que o STF defina expressamente tal artigo como não hábil para basear penas a empresas que descumpram ordem judicial de apresentação de dados, registros ou comunicações privadas.
O Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) teve a mesma posição quanto ao art. 12. A instituição pede a declaração de inconstitucionalidade de qualquer interpretação (e não do artigo em si) feita das sanções previstas pelo art. 12 que possibilite ser fundamento para o bloqueio de serviços de internet, mas que estas sejam aplicadas somente como forma de compelir que os aplicativos e sites respeitem o direito à privacidade dos usuários. Pediu também a vedação de novas decisões judiciais que determinem o bloqueio geral e indeterminado de serviços de comunicação em sites ou aplicativos de internet.
Do outro lado estão a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Ministério da Justiça e Cidadania. A primeira defende a extinção da ação sem resolução de mérito, pelo fato da decisão objeto já ter sido suspensa e por não ter sido indicado ato do poder público lesivo a preceito fundamental. O segundo concordou com a PGR, considerando a decisão de bloqueio proporcional aos fins que visava; não haveria violação à liberdade de comunicação.
PRÓXIMOS ANDAMENTOS
Até o presente momento aguarda-se o julgamento da ADPF pelo ministro relator Edson Fachin. Para formar seu entendimento, o ministro convocou no final de outubro uma audiência pública para discutir os disputados assuntos em jogo. O ministro notou que a controvérsia entre o Poder Público brasileiro e o WhatsApp vai além da suposta violação à liberdade de comunicação pelos bloqueios, mas toca também em discussões complexas quanto à (i) possibilidade técnica de se interceptar conversas no WhatsApp; (ii) possibilidade de se decretar a suspensão temporária das atividades do WhatsApp; (iii) possibilidade do WhatsApp colaborar com as decisões judiciais fundadas no art. 5º, XII da Constituição.
A audiência será um espaço aberto, em que órgãos estatais, a Facebook Brasil, entidades civis e especialistas poderão expor suas respostas a essas perguntas. O ministro acertou ao dar lugar e a fomentar um diálogo plural e técnico sobre os principais pontos que têm sido discutido na Ação, que o ajudarão a formar seu voto sobre uma questão que afeta milhões de brasileiros.
Em recente despacho, Edson Fachin e Rosa Werber, relatores das ações, definiram realizar a convocação conjunta de audiência pública simultânea para a ADI 5527 e a ADPF 403. Eles tomaram essa decisão com o objetivo de tornar o espaço compartilhado e colegiado na maior medida possível, seguindo os arts. 21, XVII, e 154, III, do Regimento Interno do STF.