Em busca de uma “bala de prata”: Congresso analisa projetos sobre bloqueios de sites e aplicativos
Por Beatriz Kira
A problemática envolvendo bloqueios de sites e aplicativos no Brasil não é nova, mas ganhou destaque recentemente no país principalmente por conta das decisões judiciais que determinaram a suspensão do aplicativo de mensagens WhatsApp, utilizado por milhões de brasileiras e brasileiros. A questão chegou também ao Superior Tribunal Federal, onde tramitam hoje dois processos: a ADPF 403, que argumenta a incompatibilidade das decisões de bloqueio com o texto constitucional, e a ADI 5527, que questiona a constitucionalidade dos artigos 10, § 2º e 12, incisos III e IV do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). A centralidade do papel desempenhado pelo Judiciário brasileiro e a falta de informações disponíveis sobre o tema levou o InternetLab a lançar o portal bloqueios.info, que traz uma linha do tempo dos casos e os documentos oficiais dos processos, buscando contribuir para o debate público com dados e argumentos.
A polêmica não tardou a chegar também no Legislativo brasileiro. Ao longo dos últimos meses, foram apresentados ao Congresso Nacional nove projetos de lei sobre bloqueios de sites e aplicações que, apesar de tramitarem em conjunto (estarem apensados uns aos outros), tratam da questão de formas diferentes.
projeto de lei |
ementa |
autoria |
5130/2016 | Acresce o inciso XIV ao Art. 7º, revoga os incisos III e IV do Art. 12 e dá nova redação ao § 6º do Art. 13 e ao § 4º do Art. 15 da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2.014 – Propõe a exclusão da proibição ou da suspensão temporária de atividades de provedores de acesso à internet como forma de sanção. | João Arruda – PMDB/PR |
5172/2016 | Veda o bloqueio de funcionamento dos aplicativos de mensagens instantâneas instalados em aparelhos móveis com transmissão de dados via internet. | Felipe Bornier – PROS/RJ |
5176/2016 | Acresce o inciso XIV e parágrafo único ao Art. 7º, da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2.014, excluindo a possibilidade de suspensão do acesso a qualquer aplicação de Internet pelo Estado, ressalvadas decisões colegiadas tomadas pelos Tribunais a que aludem os Arts. 101, 104 e 119 da Constituição Federal. | Jhc – PSB/AL |
5204/2016 | Possibilita o bloqueio a aplicações de internet por ordem judicial, nos casos em que especifica – por ordem judicial em casos de aplicações hospedadas no exterior ou que não tenham representação no Brasil e que sejam “dedicadas à prática de crimes”, excetuando-se aplicações de mensagens instantâneas (como o WhatsApp). | CPI de Crimes Cibernéticos |
5318/2016 | Altera o Marco Civil da Internet, Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, determinando a publicidade de justificativas ao usuário para retirada do ar de aplicações de internet. | Veneziano Vital do Rêgo – PMDB/PB |
5529/2016 | Altera o Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para proibir a concessão de medidas cautelares ou providências de execução indireta que interrompam aplicações de comunicação pela internet. | Arthur Oliveira Maia – PPS/BA |
5530/2016 | Veda a decretação de providências de execução indireta, inclusive para efetivação de tutelas provisórias, destinadas à interrupção de serviços de telecomunicação, de aplicações de comunicação pela internet e de serviços públicos essenciais. | Arthur Oliveira Maia – PPS/BA |
6061/2016 | Esta Lei altera a Lei n.º 12.965, de 23 de abril de 2014, para estabelecer princípios básicos para a proteção de aplicações de Internet e aos usuários do serviço. | Ronaldo Carletto – PP/BA |
6236/2016 | Acresce inciso ao art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para dispor sobre a impossibilidade de bloqueio de aplicativos de mensagens instantâneas. | Renata Abreu – PTN/SP |
O projeto principal é o PL 5130/2016, de autoria do Dep. João Arruda (PMDB/PR), que visa alterar o Marco Civil da Internet (MCI) para excluir a possibilidade de proibição ou suspensão temporária de atividades de aplicações de internet como forma de sanção (previstas no artigo 12). Essa proposta, apoiada pelas empresas de tecnologia e por uma parcela a sociedade civil, que veem nesse projeto o caminho para colocar um ponto final na história dos bloqueios, parece ser fundada na premissa de que a base legal dos bloqueios estaria no MCI, quando na verdade não apenas há casos de bloqueios anteriores à promulgação da lei, como a aplicação de seu artigo 12 para essas situações é controversa.
Do outro lado da disputa normativa está o PL 5204/2016, encaminhado pela CPI de Crimes Cibernéticos, que visa regulamentar a possibilidade de bloqueios por ordem judicial de aplicações “dedicadas à prática de crimes” que sejam hospedadas no exterior ou que não tenham representação no Brasil, excetuando-se aplicações de mensagens instantâneas (como o WhatsApp). Essa proposta parece ser direcionada ao bloqueio de sites de compartilhamento de material protegido por direitos autorais, e tem recebido forte apoio da Motion Picture Association, que representa o interesse de produtoras de Hollywood.
Há ainda projetos que visam impedir apenas o bloqueio de aplicativos de comunicações (novamente oferecendo um “tratamento especial” para aplicativos como o WhatsApp), e outros que exigem que as decisões judiciais de bloqueio tragam justificativas claras para a medida, mesmo quando os processos tramitarem em segredo de justiça. Outro projeto parece mirar no argumento de que a determinação de bloqueio estaria fundada no poder geral de cautela do juiz (consignado nos artigos 139, IV e 536, § 3º do novo Código de Processo Civil) ou na possibilidade de impor obrigações a terceiros (conforme artigo 380 do mesmo diploma), ao propor uma alteração no recém promulgado CPC para proibir providências a terceiros destinadas à interrupção de aplicativos de comunicação pela Internet. Os PLs 5130/2016, 5204/2016 e seus demais apensados estão aguardando apreciação pelo Plenário, diante da apresentação de requerimento de urgência, que pode ser apreciado nos próximos dias.
Apesar das diferenças apontadas, há em comum entre todos eles o pressuposto de que a aprovação de uma só lei seria capaz de lidar com toda a complexidade que envolve a questão dos bloqueios. O levantamento realizado pelo InternetLab, no entanto, aponta que as circunstâncias de cada bloqueio, seus motivos e as fundamentações utilizadas em cada caso são bastante diversas. A primeira decisão de bloqueios de que temos notícia, por exemplo, foi o caso de publicação de vídeo íntimo da modelo Daniela Cicarelli no YouTube, o que levou o juiz do caso a determinar que o site ficasse fora do ar com base nos direitos da personalidade, imagem, privacidade, intimidade e honra, protegidos constitucionalmente. Esse caso é muito distinto dos episódios que levaram ao bloqueio do WhatsApp, nos quais o bloqueio foi determinado como medida coercitiva, para que a empresa entregasse dados no âmbito de uma investigação criminal.
É difícil acreditar, portanto, que uma “bala de prata”, seja ela legislativa ou judicial, será capaz de solucionar a questão dos bloqueios de uma forma ampla, sem se atentar às particularidades e circunstâncias específicas de cada caso, e, principalmente, sem discutir a fundo as temáticas relacionadas a cada tipo de bloqueio. As iniciativas legislativas em análise pelo Congresso Nacional, no entanto, parecem ter sido elaboradas de forma bastante reativa aos bloqueios do WhatsApp, e não são sensíveis a todas as questões envolvidas. O risco desse cenário é de que, caso aprovadas, as novas lei tragam consigo consequências não previstas e não desejadas, causando os chamados chilling effects.
Dentre os nove projetos de lei propostos, por exemplo, sete visam alterar o Marco Civil da Internet, uma lei que foi discutida e elaborada em conjunto com todos os setores da sociedade e que está em vigor há apenas dois anos. Alterar um marco regulatório como esse, sem o adequado e necessário debate, poderia fragilizar a moldura normativa de regulação da Internet no Brasil e deixá-la mais vulnerável a ataques por outras frentes.
Ademais, a proibição expressa de bloqueios pela alteração do Marco Civil da Internet poderia ser problemática em certas situações. Casos, por exemplo, como o do site Tudo sobre todos, que disponibilizava dados pessoais sobre qualquer pessoa no Brasil (informações como CPF, endereço residencial e data de nascimento) sem qualquer autorização dos titulares, ameaçando direitos como a privacidade e a intimidade. Ou ainda situações que poderiam aparecer no futuro, como por exemplo um aplicativo unicamente voltado à veiculação de imagens íntimas sem autorização. Nessas situações parece haver fortes argumentos para a determinação do bloqueio das aplicações, com base na violação de outros direitos. Um caminho promissor, portanto, parece estar em discutir se há ou não base jurídica para o bloqueio no contexto específico em que ele foi determinado, o que demanda uma análise profunda e detalhada de cada caso.