Descumprimento de ordem judicial de entrega de dados
Em julho de 2016, uma juíza de Duque de Caxias determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil como punição pelo descumprimento de ordens de interceptação. Essa foi a quarta decisão de bloqueio contra o aplicativo e a terceira a ser efetivamente executada. O bloqueio foi suspenso após cerca de 4h.
DECISÃO DO BLOQUEIO
- Origem
- 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias (Rio de Janeiro)
- Magistrada
- Daniela Barbosa Assumpção de Souza
- Data de julgamento
- 19/07/2016
- Tipo de bloqueio determinado
- Definitivo
- Autor do pedido
- Autoridade policial da 62ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro
- Número do Processo
- Inquérito Policial 062-00164/2016
IMPLEMENTAÇÃO
DO BLOQUEIO
- Executores
- empresas provedoras de conexão à internet
- Data do início do bloqueio
- 19/07/2016
- Data do fim do bloqueio
- 19/07/2016
DECISÃO DE SUSPENSÃO
DO BLOQUEIO
- Origem da 1ª decisão
- Supremo Tribunal Federal
- Magistrado
- Ricardo Lewandowski
- Data de julgamento
- 19/07/2016
- Número do Processo
- Medida Cautelar na ADPF 403
- Origem da 2ª decisão
- 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
- Magistrado
- José Roberto Lagranha Távora
- Data de julgamento
- 19/07/2016
- Número do Processo
- Mandado de Segurança n. S 0036719-20.2016.8.19.0000
ANÁLISE DO CASO
Fatos
Segundo se pode recontar dos relatórios das decisões, a empresa Facebook Brasil recebeu ordem de quebra de sigilo e interceptação telemática de mensagens do aplicativo WhatsApp em relação a terminais-alvo nos autos de um inquérito policial que investigava uma organização criminosa “dedicada ao cometimento de vários crimes”.
Segundo a decisão de bloqueio, após primeiro contato da autoridade policial, a empresa encaminhou email em que (i) esclarecia que a WhatsApp “não copia ou arquiva mensagens compartilhadas entre seus usuários”, (ii) formulava cinco perguntas sobre a investigação e (iii) reiterava a impossibilidade técnica de realização de interceptação. Sobre o episódio, nos autos da ADPF 403, a WhatsApp Inc. também esclarece que, em diversas oportunidades entre 21 de junho e 18 de julho, tentou promover um encontro entre um especialista em criptografia e a juíza a cargo da investigação, as autoridades policiais e o representante do Ministério Público, sem sucesso. Também afirma ter peticionado nos autos, esclarecendo as impossibilidades.
Em 18 de julho, a Facebook Brasil voltou a receber um ofício que determinada a “implementação do monitoramento telemático de dados do aplicativo WhatsApp” vinculados a 23 terminais-alvo. O ofício determinava que o WhatsApp “desabilite a chave de criptografia, deixando de criptografar o fluxo de dados pelo prazo de quinze dias”, sob pena de multa e suspensão dos serviços. Em 19 de julho, a juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro determinou o bloqueio do aplicativo indefinidamente.
História no Judiciário
Em 19 de julho, a juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro determinou o bloqueio do aplicativo indefinidamente. No mesmo dia, o PPS, autor da ADPF 403 no STF, que aprecia a constitucionalidade de ordens de bloqueio do WhatsApp, ingressou com a Petição 39344/2016-STF, informando a ocorrência de nova ordem judicial de bloqueio e requerendo suspensão da mesma. O Ministro Ricardo Lewandowski concedeu a medida cautelar. No mesmo dia, mandado de segurança com pedido de liminar impetrado pela WhatsApp Inc. junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também foi deferido.
Fundamentação
A motivação da decisão de bloqueio é o descumprimento de ordem judicial: a empresa Facebook Serviços Online do Brasil, proprietária do aplicativo WhatsApp, descumpriu uma ordem emanada de juiz de direito prejudicando o prosseguimento de investigação criminal que “apura a prática de crimes gravíssimos nesta Comarca”. Segundo ela, enquanto a WhatsApp Inc. (sediada nos EUA) “se limita a peticionar apresentando curriculum vitae de um perito que iria comprovar a incapacidade técnica no cumprimento da decisão judicial”, a empresa Facebook Brasil alega que não “há vínculos entre as empresas” e que os operadores do Facebook não detêm “poderes sobre o aplicativo”. Para ela, “seguindo esta linha de raciocínio ambas as empresas permaneceriam sempre intocáveis, sem jamais se sujeitar às Leis do País”.
Ao rejeitar os argumentos da Facebook Brasil, cita o art. 21 do NCPC, o art. 1126 do CC e os arts. 7, 10 e 11 do Marco Civil da Internet, além de precedentes, que demonstrariam a responsabilidade da empresa brasileira em responder pelo WhatsApp no Brasil. Quanto à impossibilidade técnica alegada pela WhatsApp, afirma que “qualquer empresa que se instale no País fornecendo determinado serviço, deverá estar apta a cumprir as decisões judiciais que, porventura, recaiam sobre esta, sob pena de cancelamento do próprio serviço[…]”. Adiciona que “a codificação criptografada imposta às conversações online pelo WhatsApp não pode servir de escudo protetivo para práticas criminosas” e que a finalidade pública da persecução criminal “sempre deverá prevalecer sobre o interesse privado da empresa em preservar a intimidade e privacidade de seus usuários”. Não cita fundamentação legal para a ordem de bloqueio em si, mas pondera que há outros meios de comunicação disponíveis aos brasileiros.
No Supremo Tribunal Federal, diante de petição do PPS nos autos da ADPF 403, concedeu-se a medida cautelar que suspendeu o bloqueio. O ministro considerou que “a suspensão do serviço do aplicativo WhatsApp, que permite a troca de mensagens instantâneas pela rede mundial de computadores, da forma abrangente como foi determinada, parece-me violar o preceito fundamental da liberdade de expressão aqui indicado, bem como a legislação de regência sobre o tema”, em referência ao Marco Civil da Internet. No entanto, escolhe não ingressar “na discussão sobre a obrigatoriedade de a empresa responsável pelo serviço revelar o conteúdo das mensagens”, já que isso constituiria “matéria de alta complexidade técnica, a ser resolvida no julgamento do mérito da própria ação”. Com isso, com base no poder geral de cautela, defere a liminar para suspender o bloqueio.
No mesmo dia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro chegou à mesma decisão. A WhatsApp Inc. impetrou mandado de segurança em que aduziu, entre outras coisas, (i) ser tecnicamente impossível desabilitar a chave de criptografia de apenas alguns usuários sem comprometer a segurança de todos; (ii) ter obrigação de reter apenas o conjunto de informações referentes à data e hora de uso da aplicação a partir de um IP por 6 meses; (iii) ser a suspensão desproporcional, por ferir direitos à comunicação e liberdade de expressão de 100 milhões de brasileiros; (iv) constituir a suspensão uma limitação da liberdade de escolha dos consumidores e uma interferência na livre concorrência. Ao conceder a liminar, cassando a decisão de bloqueio até o julgamento de mérito do MS, o magistrado ponderou que a decisão de bloqueio era desproporcional, não sendo razoável prejudicar milhões de brasileiros em prol da obtenção de dados de nove terminais telefônicos, e que poder-se-ia recorrer à majoração do valor da multa à empresa.