Bloqueios

Caso Secret

Violação da proibição constitucional ao anonimato

19/08/2014 | Bloqueado

Em agosto de 2014, um juiz de Vitória determinou que o aplicativo Secret e seu similar Cryptic fossem retirados das lojas de aplicativos e removidos remotamente de aparelhos de usuários, por violação à vedação constitucional ao anonimato. A ordem foi aceita e implementada pela Apple, mas contestada por Google e Microsoft. A duração do bloqueio variou segundo o posicionamento adotado por cada empresa.

DECISÃO DO BLOQUEIO

Origem
5ª Vara Cível de Vitória
Magistrado
Paulo Cesar de Carvalho
Data de julgamento
19/08/2014
Tipo de bloqueio determinado
Definitivo
Autor do pedido
Ministério Público do Estado do Espírito Santo
Número do Processo
0028553-98.2014.8.08.0024 (1ª instância) e 0030918-28.2014.8.08.0024 (2ª instância)

IMPLEMENTAÇÃO
DO BLOQUEIO

Destinatários da decisão
Google, Apple, Microsoft
Afetou
Apps Secret e Cryptic
Data do início do bloqueio
21/08/2014
Data do fim do bloqueio
N/A [duração variou de empresa em empresa]

DECISÃO DE SUSPENSÃO
DO BLOQUEIO

Origem da 1ª decisão
3ª Câmara Cível do TJES
Data de julgamento
10/09/2014
Magistrado
Jorge Henrique Valle dos Santos
Número dos Processos
0030918-28.2014.8.08.0024 (relativo à Google) e 0031238-78.2014.8.08.0024 (relativo à Microsoft)
Origem da 2ª decisão
3ª Câmara Cível do TJES
Data do julgamento
21/07/2015
Magistrado
Robson Luiz Albanez
Número dos processos
0035186-28.2014.8.08.0024 (relativo à Secret)

ANÁLISE DO CASO

Fatos

O aplicativo Secret permitia que usuários postassem “segredos”, breves comentários, “anonimamente”, isto é, sem identificação imediata do autor. Após casos de cyberbullying e em razão da polêmica em torno da proposta do aplicativo, foi movida Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Estado de Espírito Santo, contra Apple Computer Brasil Ltda., Google Brasil Internet Ltda. e Microsoft Informática Ltda., com pedido de tutela de urgência para a condenação destes à remoção do aplicativo Secret (por parte das duas primeiras empresas) e do aplicativo similar Cryptic (por parte do terceiro requerido) de suas lojas oficiais, assim como a remoção remota dos aplicativos dos usuários que já os tivessem instalado em seus smartphones. Para o MP, a disponibilização do Secret seria “duplamente inconstitucional: a) a uma porque viola a intimidade, honra e a imagem, direitos fundamentais constitucionalmente positivados; b) e a duas porque o proceder que propala tal violação é com (e propicia efetivamente) o anonimato”. Estaria, portanto, em desacordo com normas constitucionais que protegem a liberdade de expressão, mas proíbem o anonimato e garantem a proteção da honra e da intimidade e o direito de resposta (art. 5, incisos IV, V e X) e com normas infralegais que tem o mesmo intuito de proteger danos virtuais (art. 3, 7 e 8 do Marco Civil da Internet). Os pedidos também foram fundamentados no art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e art. 84 e 94 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).  

História no Judiciário

Após o ingresso da Ação Civil Pública, a questão foi analisada pelo juiz Paulo Cesar de Carvalho da 5ª Vara Cível de Vitória, que deu provimento aos pedidos. Ele exigiu a remoção dos aplicativos das lojas oficiais e dos smartphones em que já estivessem instalados. Acatando a decisão, a Apple removeu o Secret da App Store e a Microsoft retirou o Cryptic de sua loja de aplicativos, porém a Google manteve o Secret na loja Play. A decisão de remoção sofreu recurso da Google através do Agravo de Instrumento nº 0030918-28.2014.8.08.0024. A Microsoft recorreu da mesma pelo Agravo de Instrumento nº 0031238-78.2014.8.08.0024. Os Agravos foram analisados pelo desembargador Jorge Henrique Valle dos Santos, que suspendeu os efeitos da medida liminar de remoção em 10/09/2014, mas julgou definitivamente o mérito. Como a Apple não recorreu da decisão liminar, os efeitos desta continuaram a valer para sua loja online. Em 24/09/2014 a Secret Inc. foi intimada a participar do processo pelo juiz Cláudio Ferreira de Souza. Com isso, a empresa entrou com Agravo de Instrumento em face da decisão judicial que determinou liminarmente a remoção dos aplicativos das lojas virtuais. Os Agravos de Instrumento de nºs 0030918-28.2014.8.08.0024, 0031238-78.2014.8.08.0024 e 0035186-28.2014.8.08.0024, interpostos pelas diferentes rés, foram analisados de forma conjunta. Após discussão entre desembargadores do TJES, foi dado provimento aos recursos, de modo a suspender a decisão liminar.  

Fundamentos

Na primeira decisão judicial do caso, que deu provimento liminar aos pedidos do Ministério Público e concedeu o pedido de remoção dos aplicativos Secret e Cryptic das lojas virtuais e dos aparelhos, o juiz Paulo Cesar de Carvalho argumentou que os aplicativos tinham grande potencial ofensivo com o compartilhamento de frases e fotos de modo anônimo. Apesar de a Constituição Federal proteger a liberdade de expressão, ela proíbe o anonimato, no art. 5º, IV, regra que foi violada, inviabilizando, ou tornando muito difícil, as chances de um ofendido pelas postagens obter indenização por dano material ou moral por violação ao direito da privacidade, honra e imagem das pessoas, protegidos no art. 5º, X da Constituição. Ao julgar os agravos interpostos por Google e Microsoft, o desembargador Jorge Henrique Valle dos Santos argumentou que, apesar do anonimato das postagens do aplicativo, ainda era possível identificar os autores através de seus endereços IP. Além disso, entendeu que a remoção dos aplicativos dos smartphones dos usuários constituia uma invasão de dispositivo informático realizada sem a autorização de seu titular, o que seria crime pela Lei nº 12.737/12. Ainda, ele destacou que a baixa definitiva dos aplicativos somente seria possível com a realização de diligências nos EUA, local dos servidores e das fontes dos programas. É este o relato da imprensa especializada sobre a decisão, que se encontra indisponível ao público. Por fim, ao apreciar o agravo interposto pela Secret Inc., o Tribunal de Justiça do Espírito Santo decidiu, por maioria, pela revogação da ordem liminar de remoção do aplicativo das lojas virtuais. O desembargador relator Robson Luiz Albanez argumentou que, apesar do anonimato ser o ponto central do aplicativo, não havia dúvidas da possibilidade de se identificar o usuário a partir de seu endereço IP, decorrente do Marco Civil da Internet (art. 15). Também afirmou que, pelo art. 19 dessa lei, a responsabilização dos provedores de aplicações por prática de terceiros só pode ser feita se não tomarem providências para excluir conteúdo objeto de ordem judicial. Ademais, ele considerou que a mera remoção do aplicativo não seria eficaz, vez que continuaria não evitando que pessoas utilizassem os recursos disponíveis na Internet para o cometimento de injúrias, como através de perfis falsos em outras plataformas. Ainda, ele apontou quanto à inviabilidade técnica e violação à privacidade dos usuários com relação à decisão de remoção dos aplicativos nos aparelhos em que eles já tivessem sido instalados. O desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa acompanhou o voto do relator no sentido de não verificar o cumprimento dos requisitos necessários para a antecipação da tutela originária que justificasse a liminar de remoção. Ele considerou que não havia necessidade de prova inequívoca da verossimilhança das alegações quanto ao anonimato ou não dos usuários do Secret e Cryptic. Para ele, a vedação constitucional ao anonimato se aplicaria aos casos em que tal status fosse utilizado para fins ilícitos, de modo a inviabilizar a responsabilização do autor. Ele defendeu, portanto, que o anonimato não fosse considerado um abuso por si mesmo, devendo ser analisado no caso concreto em face aos direitos que a ele se contrapõem. Ademais, não identificou fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação à coletividade, não sendo muito significativa a quantidade de usuários que utilizavam tal aplicativo com fim ilícito, sendo a medida excessivamente drástica para coibir práticas também propiciadas por outros aplicativos e plataformas. Divergiu, contudo, o desembargador Samuel Meira Brasil Júnior. Quanto à questão da existência do absoluto anonimato e à alegada violação do aplicativo a sua vedação no art. 5º, IV da Constituição Federal, ele disse ser imprescindível a produção de prova, necessária para se tomar a decisão da manutenção ou suspensão da liminar, pois enquanto nos três recursos interpostos as rés argumentaram ser possível que os usuários fossem identificados, o MPES alegou a sua impossibilidade. Tendo sua sugestão sido rejeitada pelo relator, alterou parcialmente seu posicionamento. Compreendeu que a produção de provas seria de maior pertinência em fase posterior, diferente da corrente fase de avaliação de concessão de liminar. No entanto, entendeu que houve suficiente evidência da presença dos requisitos para a antecipação de tutela, votando pela manutenção da decisão liminar de remoção do aplicativo. O seu voto foi, contudo, superado pelos dois acima.  

Desfecho

Em abril de 2015, os criadores da Secret decidiram por encerrá-la, 16 meses após sua colocação no mercado. Com tal fechamento, em 9 de Maio de 2016 o processo foi extinto por ausência das condições da ação.

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